Você já refletiu sobre a objetificação de corpos negros na sociedade?

Você já refletiu sobre a objetificação de corpos negros na sociedade

Salve, salve Zkayan@s da minha vida! Quem vos escreve daqui é Bianca, Bia Barreto. Técnica em Refrigeração Industrial e Climatização, Musicista, Professora de Educação Física, Engenheira de Produção, Especialista em Atividade Física e Saúde no contexto da Educação Básica, Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica, Pesquisadora atuante na temática do Racismo enquanto Determinante de Saúde Física, Mental e Emocional – eu poderia me apresentar a partir da minha formação acadêmica e, isso não estaria errado, tampouco seria incomum. O ato de apresentar-se, de fato, perpassa pela trajetória acadêmica! Entretanto, falar de formação infere reconhecer enquanto fundamental o processo de tornar-se. Assim sendo, antes de tudo, nasci humana, tornei-me mulher, me reconheci enquanto negra e, numa sociedade machista, racista e patriarcal, carrego comigo a árdua e honrosa tarefa de empoderar-me sempre para fortalecer, cada dia mais, o lugar de fala e de identificação na minha existência: Mulher Negra. Esta tarefa só foi possível pois, enquanto vivenciei a hiperssexualização e a objetificação do meu corpo em diversos campos de trabalho, não desisti. Não ter desistido também não foi uma tarefa fácil. Na verdade, não tem sido. Ainda assim, sigo (re)existindo.

Caminhar por uma trajetória de objetificação e desumanização dos corpos negros ao longo da história das sociedades, sem dúvida, foi um dos instrumentos de opressão e manutenção da ordem e do status quo da humanidade. O preconceito, a discriminação e o racismo que se fazem presentes de várias formas nas práticas cotidianas e, muitas vezes se manifesta de modo sutil, unem-se sabiamente ao processo de objetificação e são utilizados para padronizar e manter dóceis esses corpos negros adestrados a exercerem na sociedade os papéis e espaços que a ele estavam destinados, desde a histórica dissociação entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Ao analisarmos o período do Brasil colonial (XVI – XIX), por exemplo, é notório que a população negra na época era tratada no geral como um objeto de poder – quanto mais escravizados possuía, mais poder detinha. As mulheres negras, por sua vez, possuíam funções voltadas para serem amas de leite e utilizadas como mão de obra escravizada, além disso, eram, muitas vezes, direcionadas à satisfação do prazer sexual masculino, como pode ser constantemente visualizada na obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1998), o qual afirma que, no Brasil, as mulheres negras eram utilizadas, exclusivamente, para fazer sexo com os homens brancos.

A sexualização e coisificação dos corpos negros costuma propor uma relação de traços de selvageria, animalização e incivilidade, enquanto destina aos corpos brancos relações com traços de beleza, engenhosidade, inventividade e progresso. É neste ponto que se insere a relevância de refletir acerca e discursos reducionistas que objetificam negras e negros pautados no imaginário coletivo, construído aos cuidados de uma sociedade racista, machista e patriarcal. Em se tratando da mulher, o patriarcado foi um processo que naturalizou a opressão feminina, variando de forma e intensidade dependendo da cor e da posição social da mulher. Quando branca, a mulher era dominada em algumas situações, mantendo-se no seu papel de mãe e esposa. Já a mulher negra não podia exercer o papel de esposa e, em diversos casos, restou-lhe o papel de objeto sexual.

Dentro do seio da família colonial desenvolveu-se um exotismo no tratamento do negro ao ponto de até se acreditar que o sexo realizado com uma negra virgem era tratamento para cura de sífilis. E assim a doença foi transmitida de dentro da casa-grande para a senzala. Freyre (2013) conta que diversas negras entregues virgens, com doze ou treze anos, a rapazes brancos já infectados de sífilis das cidades, sustentando-se na crença brasileira de que não havia “melhor depurativo para o sifilítico, que uma negrinha virgem”. Acrescenta-se então, mais este flagelo à situação da negra escravizada, o que é no mínimo, desumano! Em se tratando dos homens negros, estes também eram objetificados sexualmente por suas Senhoras brancas, mas, não numa perspectiva de subserviência. Eram reconhecidos como fortes e insaciáveis, sugerindo que este corpo serve quase que exclusivamente aos desejos do próprio corpo, deixando de lado outros aspectos da essência humana. Mas esse, como dito anteriormente, é um processo construído e perpetuado ao longo da história.

Perpetuar é um verbo forte. Pesado! Pesado como o fardo de tantas mulheres e homens negros que, assim como eu, seguem carregando os estigmas que foram instalados no imaginário coletivo numa tentativa muito bem elaborada de nos silenciar enquanto sujeitos sócio-históricos. Me inserir no cenário como quem também carrega o fardo, é reconhecer o quanto estes processos de objetificação foram combustível – em forma de dor – para que eu continuasse a lutar por uma sociedade melhor.

Enquanto Técnica em Refrigeração, lá em 2011, vi meus conhecimentos serem minimizados em detrimento da manutenção da ordem entre os operários. Eu simplesmente não pude atuar em campo para não desconcentrar os rapazes. Eu explico! A técnica em refrigeração elabora projetos de sistemas de refrigeração e climatização, realiza instalação e manutenção preditiva, preventiva e corretiva de equipamentos e aplica testes e regulagens para melhorar o funcionamento do sistema. Este curso, caracteriza-se por ser ocupado majoritariamente por homens desde o momento das inscrições. Isso ocorre em consonância com atitudes machistas e patriarcais que se fazem presentes na sociedade brasileira, corroborando com a dificuldade das mulheres em ser absorvidas pelo mercado de trabalho ou, para o desvio de função, como presenciei durante o período de Estágio Curricular em diversas empresas de Salvador-BA.

Na música, enquanto cantora de pagode, samba e música popular brasileira, diversas foram as vezes que precisei ser grosseira ou masculinizar minhas atitudes para mitigar os recorrentes assédios. Enquanto professora efetiva num município do recôncavo baiano, tive a qualidade do meu trabalho posta em dúvida por homens e mulheres – coordenadores e diretores – em detrimento do meu sorriso e do meu biotipo corporal. Não importando quais tenham sido as justificativas, a objetificação ocorreu das mais diversas formas.

Em 1995, na Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em Pequim, foi constatado que a igualdade de gênero não é realidade em nenhum país do mundo. Para reverter esse cenário, firmou-se um compromisso, a Agenda 2030, com um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) focado em diminuir as desigualdades contra mulheres e meninas ao redor do mundo. Independente de gênero, é necessário humanizar as relações, no sentido de assegurar que não há obrigação alguma destas mulheres ou homens negros corresponderem a tanto preconceito e senso comum que são impostos ao longo de seu desenvolvimento, do início ao fim da vida.

Resumir o valor dos corpos negros aos atributos eróticos de seus corpos é desconsiderar sua espiritualidade, inteligência, caráter, sentimentos e complexidades. Contudo, sabemos que a transformação social só é processada por meio de lutas e, para tanto, é necessário que haja uma sinergia no combate ao racismo e ao sexismo marcadamente presentes na sociedade brasileira. Para além disso, cabe ressaltar que é de suma importância a efetiva participação das instituições – escolas, famílias, ambientes de trabalho – para que estejam alinhadas com novos olhares sobre os corpos negros, e que suas inseguranças e fragilidades não sejam diminuídas ou abafadas, mas que sua dignidade, seja respeitada. É o mínimo que merecemos, concordam?! 

Agora é com vocês, nação Zkayana! O assunto tem vários desdobramentos, hein?! Me contem aqui nos comentários como é que vocês percebem essas questões de objetificação de corpos na sociedade!

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