Vamos falar sobre Interseccionalidade?

Olá, minha gente Zkayana! É sempre uma honra construir reflexões e pensamentos com vocês! Nesse textinho trataremos de uma temática extremamente relevante e, que carrega consigo diversos atravessamentos que constituem a vida da população negra.

Se enquanto Engenheira que sou, me pedissem para falar de interseccionalidade, certamente, o meu discurso caminharia na perspectiva matemática que conceitua intersecção – corresponde aos elementos que se repetem nos conjuntos dados. Em se tratando de retas ou superfícies, é o ponto de encontro, que pode ser obtido igualando as equações relativas a elas ou resolvendo o sistema formado. Mas, enquanto mulher negra, educadora, pesquisadora que se dedica às temáticas étnico raciais, de gênero e saúde da população negra, é impossível tratar desse conceito apenas pelo viés matemático, ainda que ele nos permita compreender superficialmente a ideia de cruzamento.

A professora estadunidense Kimberlé Williams Crenshaw, cientista nas áreas de raça e gênero, criou o termo interseccionalidade após conhecer a história de uma mulher americana que não conseguiu processar uma empresa por dois tipos de discriminação: ser mulher e negra. Isso porque o juiz constatou que a empresa contratava sim negros e mulheres. Ele só não se atentou para uma coisa: os negros eram todos homens e as mulheres eram todas brancas. Não existiam mulheres negras trabalhando lá. Assim, autora definiu interseccionalidade como sendo  “formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo.”

Se atentarmos aos sinônimos, de fato, interseccionalidade dialoga com os conceitos de encontro, junção, união, ligação, convergência, confluência, entroncamento e encruzilhada. Sim! Pois reflete as interações de situações diversas na vida da população negra. Quando Crenshaw começou a investigar a situação que lhe despertou para essa análise, percebeu que alguns grupos de pessoas eram discriminados por dois motivos diferentes e não possuíam nenhum tipo de reparação ou política pública para ampará-las. Isso se dá pela forma como nossa sociedade foi estruturada. A sociedade se constitui a partir da ideia de governança do patriarcado branco, no qual as mulheres são vistas como inferiores aos homens e os negros são discriminados pela cor de sua pele. A questão de classe, assim como a nacionalidade, a religião e a orientação sexual também dever ser consideradas, já que ainda são utilizadas para discriminar as pessoas. Quando unimos dois ou mais fatores temos uma intersecção de discriminação, que cria desafios adicionais para que as pessoas tenham acesso aos seus direitos. Tipo aquela ideia que comentei lá no começo, tratando da palavra intersecção a partir da análise matemática!

A interseccionalidade é um conceito indispensável no campo das ciências sociais. Carla Akotirene afirma que é ela que leva em conta a inseparabilidade estrututural do racismo, capitalismo e cis-heteropatriarcado, por exemplo. A pesquisadora negra aponta que “Kimberlé Crenshaw sistematizou todas essas experiências para mostrar para o estado democrático que deveria existir um instrumento normativo capaz de dar conta das reivindicações das mulheres negras – porque elas não são brancas (experiência de raça) e elas também não são homens (experiência de gênero)”.

Entretanto, é necessário dizer que a interseccionalidade nasce para suprir uma lacuna analítica – dentro do campo científico-acadêmico – sobre as relações de opressão que surgem para além das relações de gênero e que com ela dialogam. Ao considerar que a experiência cotidiana das pessoas envolve simultaneamente diversas categorias identitárias que socialmente constituem distintos marcadores sociais de desigualdade, a interseccionalidade contribui para análises que lidem melhor com a complexidade existente no mundo. Então graças a Kimberlé conseguimos ter essa compreensão? Não apenas graças a ela.

Apesar de ter sido sistematizada por Crenshaw, a interseccionalidade também está presente nos escritos de Lélia Gonzalez, Maria Beatriz Nascimento e Carolina Maria de Jesus. Então, por mais poderosas que sejam as contribuições de Crenshaw para a compreensão e popularização do termo, isso não significa dizer que é razoável apagar o que vinha ocorrendo antes de 1989. Trata-se de um grave lapso de algumas pesquisas sobre interseccionalidade, algo não pretendido por Crenshaw, já que seus textos tomaram como fundamento e reconheceram a importância de pesquisas e tópicos de movimentos sociais anteriores ao seu ato de nomear a interseccionalidade.

Assim sendo, é importante rejeitar eventuais entendimentos que ignoram ou minimizam que a origem da interseccionalidade está relacionada com os movimentos sociais e, compreender, portanto, que seu surgimento e potencial não está reduzido aos limites impostos pela academia. Mais do que uma imprecisão teórica, apagar o histórico da origem da interseccionalidade tende a promover o silenciamento de um grande grupo de mulheres negras e contribui para que gradativamente o conceito da interseccionalidade perca sua força e potência crítica.

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