Olha o colorismo aí, gente! Afinal, quem é negro no Brasil?

Olha o colorismo aí, gente!

Num país essencialmente formado por negros e pardos, pouco mais da metade da população se define como tal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses dados estatísticos refletem as falhas do processo de fortalecimento identitário que o Brasil experimentou desde o início da invasão, em 1500. Sim! A invasão! Não se descobre o que não está coberto e, não se adestra indivíduos que já se organizam cultural e socialmente sob a justificativa de colonização – como Portugueses e Espanhóis fizeram há tempos. Nesse caso, estou me referindo à invasão e ao apagamento, memoricídio e epistemicídio cultural impostos ao povo negro brasileiro.

O IBGE trabalha com o que se chama de “quesito cor”, ou seja, a “cor da pele”, conforme as seguintes categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Indígena, teoricamente, enquadra-se em amarelos – populações de origem asiática, historicamente catalogados como de cor amarela – todavia, no caso brasileiro, dada a história de dizimação dos povos indígenas, é essencial saber a dinâmica demográfica deles. Um outro dado que merece destaque é que a população negra, para a demografia, é o somatório das categorias preto e pardo. Kabengele Munanga, atualmente professor visitante sênior da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, defende que pretos e pardos sejam agrupados como negros tanto pelas semelhanças socioeconômicas, quanto por uma necessidade política. Cabe ressaltar, no entanto, que preto é cor e negro é raça. Não há “cor negra”, como muito se ouve. Há cor preta. E, toda tentativa de “não ofender” o povo preto, caracterizando-o como moreno, mulato, mestiço e qualquer expressão afim, é reflexo da necessidade de embranquecer a população para valorizá-la.

Quando dou início ao texto com um questionamento de grande porte como título, faço isso por compreender que cada um de nós, povo preto, sabe bem o que é ser apontado em grandes instituições comerciais, seguido por seguranças em algum local público, comparado com primatas por alguma característica física e, reconstruir-se diante de tudo, diariamente, na perspectiva de ser respeitado pela sociedade. Se não vivenciamos, conhecemos alguém que tenha vivenciado situações do tipo e, deste modo, não é difícil reconhecer “quem é negro no Brasil”.

Identidade racial e étnica é o sentimento de pertencimento que decorre de construção social, cultural e política. Ou seja, está relacionado com a história de vida – socialização e educação – além da consciência adquirida diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura. O colorismo, por sua vez, atua como braço articulador do Racismo no Brasil, por alimentar a ideia, de maneira simplificada, que as discriminações dependem também do tom da pele, da pigmentação de uma pessoa, instituindo diferenças no tratamento, vivências e oportunidades, a depender do quão escura é sua pele.

O Brasil é, historicamente, o berço do mito da democracia racial. Um experimento dos processos de mestiçagem e embranquecimento biológico e cultural. A antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, questionou certa vez “como determinar a cor se, aqui, não se fica para sempre negro?” De fato, corroboro a ideia dela afirmando que no Brasil, hora se ‘embranquece’ por dinheiro, hora se ‘empretece’ por queda social. Após a invasão, em 1500, depois dos constantes estupros praticados por donos de mulheres negras escravizadas, apareceram mestiços branco-preto, hoje conhecidos por mulatos – cujo nome é, seguramente, pejorativo já que deriva do conhecimento sobre os asnos e as mulas, frutos do cruzamento do burro com égua, partindo do ideal de que o filho do homem branco com a mulher preta seria, necessariamente, estéril. Não é fácil! Assumir a identidade racial negra em um país como o Brasil é um processo extremamente difícil e doloroso.

A mestiçagem biológica é, inegavelmente, o resultado das trocas genéticas entre diferentes grupos populacionais catalogados como raciais, que na vida social se revelam também nos hábitos e nos costumes – componentes culturais. No contexto da mestiçagem, ser negro possui vários significados, que resulta da escolha da identidade racial que tem a ancestralidade africana como origem – afrodescendente. Então, para falar sobre colorismo é necessário considerar outras intersecções, como classe, escolarização e outros marcadores sociais da diferença e, por conseguinte, da desigualdade.

Cabelo crespo, formato do nariz, da boca e outras características fenotípicas também podem determinar como as pessoas negras são lidas socialmente. Pessoas mais claras, de cabelo mais liso, traços mais finos podem passar mais facilmente por pessoas brancas e isso as tornaria mais toleradas em determinados ambientes ou situações. É necessário compreender que quando essas pessoas não se reconhecem como negras e vivem a utopia de ser “quase branco”, não estamos falando de “privilégio”, mas de “alienação racial” – fenômeno historicamente construído. Entretanto, é relevante ressaltar a importância de, numa sociedade estruturada a partir do racismo, constituir-se, fenotipicamente por características físicas típicas da branquitude e, ainda assim, reconhecer-se negro. Adotar essa postura de maneira consciente pode potencializar diálogos e construções sociológicas que oportunizem o reconhecimento identitário e, por conseguinte, o empoderamento. Não é uma tarefa fácil.

Debater o colorismo também constitui uma tarefa de simples. É difícil, cansativo e doloroso porque remete a diferenças que conferem desigualdades entre pessoas negras quando, historicamente, há diversos negros diaspóricos reexistindo na tentativa de construir ideal de pertencimento enquanto povo. Por isso, ressalto a importância de entendermos que não faz sentido conferir a negros e negras de pele clara o ideal de privilégios da branquitude. Não faz sentido pois, não se pode mensurar ou qualificar as interseccionalidades de gênero, classe, saúde e tantas outras categorias que constituem a vida do indivíduo de pele clara. Dores são, antes de mais nada, subjetivas.

Refletir acerca do colorismo e de quem é negro no Brasil não nos divide, nem deve! Ignorar nossas diferenças e dores distintas a partir do silenciamento dessa questão, sim, é perigoso. Silenciar diante de tensionamentos dialéticos e empíricos acerca do que, de fato, é ser negro no Brasil, é permitir que a partir da ótica branca, negros e negras perpetuem a hierarquização dos nossos corpos. Onde tem hierarquia, haverá desigualdade. Ser negro no Brasil é, essencialmente, um posicionamento político, de relevância histórica e fortalecimento ancestral, no qual se assume a identidade racial negra, estando disposto a carregar as consequências deste feito, independente da tonalidade de cor da pele. Ser negro no Brasil é luta! Sinônimo de resistência.

Espero que eu tenha conseguido dar uma escurecida no seu olhar para essa temática, nação Zkayana. Não trago verdades absolutas e, nem quero! Que as Deusas me livrem dessa má hora típica das produções eurocêntricas. Já me basta o nome, que é Bianca – de origem italiana, significa branca, alva. Uma preta maravilhosa dessa, minha gente… Eu nem vou reclamar! Vai que Mainha e Painho passam por aqui? Mas, a partir desse texto é possível refletir sobre diversas situações, não é mesmo? Me conta aí nos comentários! Afinal, pra você, o que é ser negro no Brasil? Estou ansiosa para ler!

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Uma resposta

  1. Eu li esse artigo duas vezes seguidas, sim, li e reli na mesma hora, e sei que voltarei aqui…
    Eu sou preta, de pele branca, mas sem “pé na senzala” sem “depois das 18 é tudo preto” sem “quero ser preta porque está na moda” sem eu sou preta na fala mas tenho privilégios de uma branca”. Não, eu sou preta porque meus ancestrais são pretos, porque não me reconheço europeia em absolutamente nenhum aspecto, porque os que vieram antes de mim, são nordestinos, chegamos a ter um período, vc certamente dirá isso com mais sabedoria que eu, em que o Nordeste era mais de 80% da população de pele Preta…eu sou filha e neta do Nordeste, com todo orgulho do mundo, sou feita no Candomblé, iniciada em Ifà…eu sou preta, de pele branca, com privilégios, mas me envergonho de todos, e onde o meu povo preto não pode estar, eu nem entro, esses privilégios são baseados no que eles querem que eu pareça ser…mas não sou! Eu luto, resisto na resistência de estar sempre ao lado do povo preto, do meu povo, honrando minha gente, eu sou preta, e podem até dizer que não, mas não me interessa o que eles dizem. Sou preta, por amor, por consciência, por luta, por honra, porque só desse lado, o lado dos pretos, eu me sinto pertencente. No mais….siga escrevendo e trazendo cor, das nuances lindas de pele que temos em nosso país!!! Bj grande querida!!! Me deu vontade de postar esse texto divino no meu Insta…

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