Há muito na luta antirracista que precisa ser protagonizado por pessoas brancas para produzir impacto na estrutura e já vou explicar o porquê de a maioria delas fugir da luta, mas vamos antes entender o que é racismo. A definição de racismo que já li e mais fez sentido pra mim está presente no livro Racismo Estrutural, do professor Silvio de Almeida: “Racismo é uma autorização para inventar o outro”. Essa definição dá o tom do que foi feito com os negros no processo de escravização (uma completa desumanização), mas também possibilita o contrário, analisar quem se colocou no lugar definir quem era ou não humano. Se existe um grupo de pessoas que foi “inventado” é porque existe um grupo de pessoas que se investiu da autoridade de inventar. Esse grupo é a branquitude.
A inquietude presente no título desse texto parte de duas premissas básicas presentes sempre que se levantam reflexões sobre as pessoas brancas nas pautas raciais: A primeira é a de que a branquitude não se compreende como um grupo racializado, pessoas brancas se compreendem enquanto norma, enquanto sujeitos universais e, sendo assim, apenas os outros grupos raciais podem ser “identitários”. A segunda é a de que, uma vez racializada, a branquitude é inquestionavelmente frágil, por não saber como se comportar nesse lugar que não o da norma estabelecida.
Em seu livro intitulado Fragilidade Branca, a autora norte-americana Robin DiAngelo discorre que pessoas brancas raramente sentem desconforto racial numa sociedade racista, dominada por pessoas brancas, e que isso os levou à desnecessidade de construir resistência racial. Assim, no lado oposto temos exatamente o contrário, uma negritude vivendo em constante desconforto racial o que, via de regra, leva ao estudo e à maturidade na reflexão sobre esses assuntos.
No entanto, especificamente no contexto brasileiro, os movimentos negros (num sentido bem amplo mesmo) vem pautando cada vez mais as questões raciais e obrigando a branquitude, principalmente aqueles que se dizem progressistas, a se aproximar da famigerada luta antirracista.
Aqui, voltamos novamente ao título: Qual o papel dessa branquitude, frágil, desconfortável e iniciante em pautas raciais na efetiva luta antirracista? Bom, Se a branquitude já se sente desconfortável em eventuais conversas pontuais sobre raça, eu tenho uma péssima notícia pra dar: O lugar de qualquer pessoa branca em qualquer debate racial tem que ser necessariamente o do desconforto. E não digo isso como forma implicância com pessoas brancas, é sobre como a estrutura social está posta.
O lugar da pessoa preta em nossa sociedade, desde o dia um, tem sido o do desconforto, da opressão, da marginalização, etc. Estamos em 2021, passando por uma pandemia devastadora e os números nos mostram que o vírus pode até não escolher quem infectar, mas a morte aparentemente sabe quem deve levar. Segundo uma reportagem da CNN Brasil, de junho de 2020, pretos e pardos representavam 57% dos mortos pela doença, enquanto brancos eram 41%. Além disso, a chance de um negro morrer por coronavírus era 38% maior do que a de um branco, naquele período. (https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/06/05/negros-morrem-40-mais-que-brancos-por-coronavirus-no-brasil)
Ainda que desconsiderássemos a pandemia, quando falamos em racismo no Brasil estamos falando sobre um sistema que resulta na morte de pessoas pretas num processo muito cruel de negação de direitos e desumanização diários.
Assim, para assumir o compromisso de ser antirracista, de lutar contra um sistema que está posto e que beneficia pessoas brancas apenas por nascerem, o primeiro passo tem que ser o do incômodo, o de entender que ela, a branquitude, colhe os frutos de ser um grupo socialmente privilegiado, quer queira ou não e que, se entende que isso é nocivo, tem de se colocar contra o sistema, entendendo que faz parte e se beneficia desse sistema e que antirracismo significa derrubar esse sistema e abrir mão dos privilégios que teve a vida inteira.
Um dos livros mais vendidos no Brasil ano passado, impulsionado pelos protestos contra a morte de George Floyd nos EUA, foi O Pequeno manual Antirracista, da filósofa Djamila Ribeiro e eu tenho as minhas dúvidas se as pessoas brancas compraram o livro achando que encontrariam um cheklist de atitudes que garantiriam um “selo antirracista” ou se realmente entenderam a mensagem que a autora quis passar. O fato é que ser antirracista é um estilo de vida pautado em racializar tudo e todos à sua volta (se racializando também) para entender como as dinâmicas raciais funcionam no cotidiano e como podemos mudá-las sempre que possível.
As pessoas brancas precisam sim se engajar nas lutas raciais (até porque foram as pessoas brancas que instituíram a nossa realidade social), mas precisam fazer isso conscientes das suas responsabilidades e do quanto contribuem para a manutenção do racismo e que, de forma alguma estão numa posição de benevolência ou que são aliados. Todos esses comportamentos fazem com que a responsabilidade na luta contra o racismo recaia justamente sobre quem sofre com o racismo, a pretitude, e isso não é nada justo, pra dizer o mínimo.
A luta antirracista deveria ser protagonizada por pessoas brancas, conscientes do seu papel na sociedade e despidas da fragilidade mencionada acima. Ocorre que essa não é a realidade e que por isso temos um histórico de movimentos negros tão organizados e atuantes na história do nosso país. Já demos o tom de como a mudança deve ocorrer e temos muitos intelectuais negros por aí desenhando a estrutura racial do país e como podemos começar a mudança, basta que a branquitude tenha a humildade de buscar aprender e passar a agir de fato.
Mas e você, pessoa branca, conta pra gente nos comentários quais ações acredita que poderia tomar para engajar na luta antirracista a partir de agora
Pretinhos, pretinha e pretinhes, vocês têm experiências para compartilhar sobre pessoas brancas que querem se engajar na luta, mas fogem do desconforto?
8 respostas
Texto potente! Enquanto homem branco em processo de conscientização antirracista (porém ainda inevitavelmente racista), digo que o desconforto em debater pautas raciais é importante e só quando reconhecemos esse desconforto e entendemos o motivo desse desconforto é que conseguimos iniciar nossa mudança de comportamento. Sentir desconforto e permanecer inerte é colaborar com a intensificação do racismo em nós mesmos e na sociedade. Obrigado pelo texto incrível!
Texto extremamente necessário!!! Muito obrigada por sempre proporcionar reflexões, com tamanha riqueza de dados e argumentos que são verdadeiros tapas na cara da branquitude! Goxto assim!
Recentemente sai de um grupo de estudos sobre negritude criado pelo AD Junior, no Facebook. Lá aprendi muitíssimo sobre a luta e resistência contra o racismo. Mas muitas vezes fui chamada de “Branka”, por contrapor atitudes misóginas por parte de homens do grupo. Fui por várias vezes exortada, o que considero salutar ao aprendizado, mas também fui hostilizada e tratada como ameaça. Por que isso ocorre, se a unidade na luta é essencial?
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